sexta-feira, 9 de março de 2018

Geringonça (7): Geometria variável


1. A primeira página da edição de ontem do Jornal de Negócios titulava que "Socialistas entendem-se à direita sobre as regras para a Uber", como se fosse algo incomum.
Ora, a pergunta que tem de ser feita é justamente esta: com quem, senão com a direita, poderia o PS  entender-se sobre uma lei que implica mais concorrência no mercado de transporte individual em automóvel com condutor?
É evidente que não poderia ser com o BE nem com o PCP, que no seu anticapitalismo primário vetam tudo o que cheire a liberdade económica e concorrência, tendo eles defendido a aplicação à Uber (e outras empresas concorrentes) das mesmas regras que vigoram para os táxis, incluindo a contingentação da oferta, como se fosse a mesma coisa!

2. Há pouco tempo, perante os indícios da disponibilidade de Rui Rio para negociar com o Governo alguns dossiers políticos mais importantes (plano de investimentos em infraestruturas e descentralização), o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, apressou-se a alertar contra uma política de alianças de "geometria variável" por parte do PS.
Ora, a verdade é que, desde o início, a Geringonça pressupõe necessariamente alianças de geometria variável para o Governo minoritário do PS. Para se defender da direita, o Governo conta com o apoio parlamentar das esquerdas, nos termos acordados, a quem compensa prodigamente com medidas favoráveis em especial aos funcionários públicos e aos pensionistas. Mas para poder governar noutras áreas, o Governo só pode esperar o apoio vindo da sua direita, como em tudo o que tem a ver, por exemplo, com política externa, política europeia, política de defesa e de segurança interna, política comercial externa, política económica, etc.

3. A aliança do PS com os parceiros das esquerdas parlamentares é assumidamente de via política reduzida, tendo a sua cobertura focada nas áreas do trabalho, da segurança social e da saúde, mais a  função pública. É manifestamente pouco para governar!
É por isso que a Geringonça assenta em acordos separados e fragmentários com os aliados, não podendo consubstanciar um programa comum de governo. Não é por acaso que não temos um governo de coligação, que pressuporia a solidariedade intragovernamental com toda da acção do Governo. Assim, se o Bloco e o PCP ficaram livres de se demarcar do Governo (ou até de se lhe opor) em matérias não contempladas nos seus acordos com o PS, também este ficou livre de buscar outros apoios políticos e parlamentares nas mesmas áreas. O que distingue o atual Governo de um comum governo minoritário é o facto de ter assumido compromissos políticos setoriais com uma parte da oposição, a troco da sustentação parlamentar do Governo (o que não é pouco!), evitando o seu derrube pela outra oposição.
Há, portanto, mais governo para além da Geringonça!
[revisto]

Adenda (11/3)
Concordo com este editorial do diretor do Público, que glosa o mesmo tema, até no título.