quarta-feira, 18 de abril de 2018

Farisaísmo institucional

1. O alegado "desagrado" do Ministério Público com a incrível exibição televisiva de interrogatórios de José Sócrates é profundamente farisaico, primeiro, porque o MP se revelou incapaz de proceder criminalmente contra os responsáveis em anteriores casos idênticos e, segundo, porque em todo este processo (tal como noutros, aliás, quando envolvem personalidades públicas) o MP conviveu, inerte e cúmplice, com o sistemático desrespeito do segredo de justiça (que tem proteção constitucional, sendo crime a sua violação) e com o infame julgamento dos arguidos na praça pública, sem regras nem direito de defesa, em flagrante ofensa aos mais elementares princípios do Estado de direito constitucional.
Assim se mostra que o farisaísmo também pode contaminar as instituições...

2. O Ministério Público é na nossa ordem constitucional uma instituição dotada de autonomia, mas o PGR não é irresponsável nem irremovível, podendo ser exonerado pelo PR sob proposta do Governo. Por maioria de razão, não tendo o MP funções jurisdicionais, que cabem exclusivamente aos tribunais, e sendo o braço do Estado para a investigação e a acusação penal, a PGR não está isenta da obrigação de prestar contas públicas da suas ações e omissões em matéria de violação do segredo de justiça e de outros direitos dos arguidos.
A accountability pública é uma característica inerente ao desempenho de cargos públicos num Estado constitucional. Quanto é que a Assembleia da República tem a coragem de chamar a PGR, como tem chamado outras autoridades independentes, a prestar contas ao País sobre tudo isto?

Adenda
O PS acaba de propor que a PGR se pronuncie na AR sobre o caso das adoções da IURD. Por maioria de razão, o mesmo deveria suceder quanto ao segredo de jsutiça e à publicação de peças do processo sem autorização dos interessados.